domingo, 5 de setembro de 2010

Relógios Mecânicos

O relógio mecânico



Conheça nesta edição o funcionamento básico de um relógio mecânico e seus elementos e peças mais importantes.

por Adriano R. Passarelli
Abril/2005

Artigo publicado na revista Pulso n°38 de Mai/Jun 2005 -->

O movimento de um relógio mecânico a corda manual

O relógio mecânico, como o próprio nome sugere, é o relógio que funciona mecanicamente, tanto na geração da energia que o move como na maneira como essa energia é transportada e usada. Desse modo, basicamente, o relógio mecânico se caracteriza pelo uso de uma corda, que gera a energia motriz; uma série de engrenagens, que transportam essa energia; e um elemento que controla a passagem do tempo. Todo relógio mecânico de pulso compartilha os mesmos elementos básicos. O primeiro deles é a corda. O segundo, o trem de engrenagens. No linguajar técnico, chamamos as engrenagens de rodas. O terceiro e último elemento básico é o escapamento, que é o órgão regulador, ou seja, aquele que efetivamente marca o tempo. O escapamento é a parte do relógio que envolve maior precisão, maior complexidade — e é também uma parte extremamente delicada.

Dentro da categoria dos mecânicos, encontramos dois tipos de relógios mecânicos de pulso: o relógio a corda manual, e o automático (também chamado de corda automática). O relógio a corda manual é aquele que precisamos dar corda periodicamente (normalmente todos os dias), por meio da coroa, para que ele permaneça funcionando. Já o relógio automático é aquele cuja corda é dada automaticamente com o movimento do nosso pulso, por meio de um sistema que se utiliza de um peso que chamamos de massa oscilante ou rotor. Essa massa oscilante, pelo efeito da gravidade, tende a se manter parada, ou quase, enquanto o relógio se move com o nosso pulso. Esse movimento é transferido para a corda por meio de um grupo de engrenagens. Desse modo, a corda será constantemente carregada enquanto o relógio estiver em uso, não sendo necessário dar corda nele manualmente. Existe uma série de diferentes sistemas de carregamento automático que transfere esses movimentos do rotor para a corda, desde alguns bem simples até outros bastantes complexos. Esse tema será discutido em detalhes nas próximas edições.


Portanto, percebe-se que o relógio automático nada mais é que um relógio a corda comum, porém com um sistema que carrega sua corda por meio do movimento do nosso pulso. Apesar disso, a grande maioria dos relógios automáticos possui um sistema auxiliar de corda pela coroa. É importante lembrar que esse sistema é auxiliar, não tendo sido projetado para ser usado todos os dias, como num relógio a corda manual. Nos automáticos, esse sistema deve ser usado quando se pega o relógio completamente parado, aí sim, dá-se corda total pela coroa. Então, basta colocá-lo no pulso e usá-lo normalmente. O movimento do seu pulso se encarregará de carregá-lo constantemente.
O movimento de um relógio mecânico automático


O movimento e os rubis

Movimento é um dos termos que usamos para designar a máquina do relógio. Outro termo comum, mais usado tecnicamente, é calibre. Tal expressão surgiu porque, muito antigamente, os movimentos recebiam nomes que na verdade eram o seu diâmetro, expresso em linhas. Linha é uma antiga unidade de medida francesa que corresponde a 2,56 mm (mais exatamente, 2,255829 mm). Os movimentos recebiam nomes como 18’’’ (dezoito linhas), 12 ½’’’ (doze linhas e meia) etc. Essa medida ainda é bastante usada, especialmente pela indústria relojoeira suíça, embora raramente se use nomes de calibres baseados em seu diâmetro hoje em dia. Hoje é comum usar nomes normalmente baseados em números, com significado próprio, que normalmente só faz sentido para o próprio fabricante. No entanto, é comum que eles evoluam numérica e analogicamente de acordo com melhorias, modificações etc. Por exemplo, a ETA usa o nome 2824 para um dos seus calibres mais comuns, tendo também o calibre 2836, que é um “parente” do 2824 com algumas modificações e adições. Portanto, esse padrão de parentescos na nomenclatura é adotado pela maioria das indústrias nas mais diferentes partes do mundo.


O chassi do movimento do relógio é chamado de platina, ou mais especificamente, de platina principal. Nela vão parafusadas as pontes. O trem de rodagem fica de um lado da platina, que costumamos chamar de “frente” (apesar de, no relógio, este lado ficar virado para o fundo da caixa). Normalmente, do outro lado (o do mostrador), fica o sistema que comanda os estágios da coroa e o acerto dos ponteiros. Este sistema também é chamado de keyless.

Tanto a platina como as pontes recebem rubis, cuja finalidade é funcionar como mancais para os eixos das engrenagens, reduzindo o seu atrito e desgaste. Os rubis usados nos relógios são sintéticos, pois os naturais possuem imperfeições e porosidades que não são adequadas para o uso nos relógios. A superfície lisa do rubi reduz bastante o atrito nos pivôs (as pontas) dos eixos das engrenagens, bem como o desgaste nesses mancais, uma vez que são pedras extremamente duras. O rubi tem exatamente a mesma composição básica da safira. Na verdade, rubi e safira são a mesma pedra, mas com nomes diferentes por causa de sua coloração diferente. O rubi e a safira são os dois tipos de pedras que formam o grupo mineral dos corindon, sendo compostas, basicamente, de alumínio, na forma de óxido de alumínio (Al2O3), além de outros elementos em pequenas quantidades. Esses elementos é que conferem as cores características dessas pedras: o óxido de cromo é o responsável pela cor vermelha do rubi, enquanto o titânio e o ferro, além de outras substâncias, conferem diversas cores à safira, que pode ser encontrada em tons de verde, azul, rosa, laranja, amarelo, incolor etc. Sua dureza é 9 na escala Mohs (tanto o rubi como a safira), sendo 10 o diamante (escala que vai de 1 a 10). Embora incomum, usa-se também safira em vez de rubis nos relógios.


Vista explodida do lado da rodagem, com o nome das peças de um movimento a corda manual


Ao contrário do que se pensa, o número de rubis não atesta a qualidade de um movimento. Talvez ateste sua complexidade, mas definitivamente não sua qualidade. Durante as décadas de 1950 e 1960, empresas tiravam proveito desse pensamento adicionando rubis não-funcionais aos pontos mais inusitados do movimento, como na massa do rotor, no suporte do calendário, e em outros lugares, aumentando consideravelmente o número de rubis declarado no mostrador. Na década de 1970 surgiu uma norma ISO regulamentando o uso de rubis, proibindo que pedras não-funcionais fossem contadas. No entanto, a norma permite qualquer rubi que tenha funcionalidade, independentemente da questionabilidade de sua função. Assim, algumas marcas até hoje tiram proveito disso para usar rubis em pontos que, apesar de funcionais, têm uma discutível utilidade real. Não cabe à norma discutir essa utilidade, pois somente o fabricante que projetou aquele movimento pode julgá-la. Por isso, alguns relógios possuem mais rubis do que seria tecnicamente necessário — e como vimos, o número de rubis não declara, por si só, a qualidade de um movimento. Atualmente, usam-se rubis em quase todas as partes que sofrem atrito, por isso o número elevado de rubis em movimentos mais complexos, como cronógrafos. Mas também é necessário bom senso para tratar do assunto. Os movimentos atualmente usam, em média, algo entre 17 e 25 rubis. No geral, o mínimo aceitável para um movimento simples (a corda manual) de qualidade é entre 15 e 17 rubis. O escapamento tradicional, sozinho, necessita de 7 rubis. Porém, em raras ocasiões, é aceitável um número menor de rubis, em especial quando há necessidade de barateamento, e quando a durabilidade não é uma questão, como em movimentos para relógios militares. É comum movimentos de 7 rubis nesses casos, sendo as pedras utilizadas apenas para o escapamento, não para as rodas.




Vista explodida do lado do mostrador, mostrando o
sistema de acerto dos ponteiros e estágios da coroa





A corda


A corda do relógio é basicamente uma mola na forma de uma espiral que, ao ser enrolada, se deforma e armazena energia. E essa mola, quando enrolada, tentará liberar a energia armazenada para retornar à sua forma original, graças à característica elástica do material com o qual é fabricada. O sistema de corda é composto pelo tambor de corda, a mola em espiral (a corda em si) e um eixo no centro do tambor, chamado árvore. (Imagem 7) O tambor de corda é a peça que contém a mola de corda. A corda tem uma extremidade presa na parede interna do tambor e outra extremidade fixada na árvore. Quando se dá corda no relógio, essa mola é enrolada ainda mais, girando-se a árvore e enrolando a corda em volta dela. Isso gera uma tensão cuja liberação é exatamente a energia motriz do relógio. Existe uma pequena diferença entre a corda de um relógio a corda manual e um relógio automático. No relógio a corda manual, uma das extremidades é realmente fixa na parede interna do tambor. É fácil perceber isso, pois, ao se dar corda nesse tipo de relógio, chega um momento que ele não aceita mais corda: esse é o ponto em que a corda está na sua tensão máxima e não tem mais como ser enrolada, por conta da sua fixação no tambor. Nesse momento, consideramos a corda como estando completamente “cheia” e com o máximo de sua energia armazenada. Se prosseguirmos com o ato de dar corda, corremos o risco de danificar o relógio, e até mesmo de romper a corda.



O mesmo não acontece com os automáticos. Como ele está sujeito a ser carregado constantemente, sem o nosso controle, a corda não pode ter um limite de carregamento. Por isso o ponto de contato entre a corda e o tambor não é totalmente fixo. Esse contato é feito por meio de uma brida deslizante. Apesar de ficar em grande atrito com a parede do tambor, quando atingido o limite de tensão da corda, a brida simplesmente desliza, aliviando a tensão na corda o suficiente, a fim de evitar sua quebra. O atrito da brida com a parede do tambor tem de ser bem calculado, de modo que permita que a corda possa ser completamente enrolada sem que a brida deslize antes disso, mas também que deslize antes de a corda atingir o limite de sua resistência mecânica. Por causa desse dispositivo, pode-se usar um relógio automático sem o risco de carregar excessivamente a corda. Nota-se isso quando se dá corda pela coroa nesse tipo de relógio, pois por mais que se gire a coroa, a corda nunca chega ao fim, graças à ação da brida deslizante.


Uma peça importante que faz parte do sistema de carga é o clique (ou clic). Sua função é fazer que a corda seja enrolada e mantenha-se assim, sem voltar. Isso se dá bloqueando a rachet, uma engrenagem que é conectada à árvore. Quando se dá corda, quem gira é a árvore, não o tambor, para que a corda se enrole em volta dela. Agora, para que ela não desenrole, o clique bloqueia o movimento da rachet, como uma catraca, por isso o som característico de quando damos corda num relógio. E assim, depois de dada a corda, é o tambor que girará para desenrolá-la, enquanto a árvore permanecerá parada. É uma peça simples e pequena, mas que sem ela o relógio simplesmente não funcionaria.


O tambor possui dentes que propelem a primeira roda do trem de engrenagens. Na verdade, ele é considerado a primeira engrenagem do sistema, e também é a que gira mais lentamente, dando em média uma volta completa em 6 horas. A duração da corda de um relógio de pulso é de 40 a 50 horas, variando bastante de marca para marca, de calibre para calibre.






O trem de rodagem


O trem de rodagem possui várias funções. A principal delas é transmitir a força da corda para o escapamento. Uma roda completa é composta por uma engrenagem, um pinhão e um eixo. Normalmente o pinhão recebe a força da roda anterior, e a engrenagem transmite a força para o pinhão da roda seguinte, no sentido do caminho das forças.


Em teoria, o tambor de corda poderia se conectar diretamente, mas a diferença de velocidade de giro entre a roda de escape e o tambor é tão grande que necessitaria de um tambor grande com muitos dentes. Além disso, as engrenagens também se conectam com os ponteiros. Por isso é necessário um trem de engrenagens: para multiplicar a velocidade de giro e fazer que elas girem em velocidades diferentes — algumas, com uma velocidade bem específica. O número de dentes das rodas e seus pinhões são calculados para que permitam o giro dos ponteiros na velocidade correta. A rodagem básica é composta pela roda de centro, bem como pela terceira e quarta rodas (está última também chamada de roda dos segundos). A roda de centro recebe esse nome por estar exatamente no centro do movimento. Ela possui um eixo que atravessa a platina (para o lado do mostrador) para que possa se conectar com o ponteiro dos minutos por meio de uma peça chamada chaussée, encaixada no eixo da roda de centro. Essa roda também tem a função de propelir uma outra engrenagem, chamada roda dos minutos, que, reduzindo a velocidade, impulsiona a roda das horas, onde vai encaixado o ponteiro das horas. Como a roda de centro se conecta diretamente com o ponteiro dos minutos, ela precisa dar uma volta completa a cada 60 minutos. No momento de se ajustar as horas, para que os ponteiros do relógio possam ser girados sem que o influa no funcionamento do relógio, a chaussée é sempre deslizante. Seu atrito com o eixo da roda de centro mantém as peças conectadas e girando juntas, mas o atrito é pequeno para que, ao ajustarmos as horas, ela deslize e permita o giro das rodas dos minutos e das horas de maneira independente do resto do relógio.


Layout de um movimento a corda manual com segundeiro separado



Em alguns casos, a roda de centro não está propriamente no centro, por isso recebe o nome de roda intermediária. Nesse caso, ela propele uma chaussée um pouco diferente, que possui sua própria engrenagem, em vez de ir encaixada no eixo da roda de centro, que continua transportando a força e impulsionando a terceira roda. Esta gira mais rapidamente, e sua função é apenas multiplicar a velocidade entre a roda de centro e a roda seguinte, a quarta roda, também chamada de roda dos segundos. Essa roda recebe esse nome porque se conecta diretamente com o ponteiro dos segundos, esteja ele no centro ou não. Portanto, a quarta roda dá uma volta completa a cada 60 segundos. A posição do ponteiro dos segundos no mostrador altera bastante o layout do trem de rodagem, pois no caso dos relógios de segundos centrais diretos (o ponteiro vai encaixado diretamente no eixo da quarta roda), a quarta roda precisa estar no centro do relógio. Como normalmente a roda de centro também está no centro do movimento, ela precisa ter um eixo vazado, a fim de que o eixo da quarta roda passe por dentro dela, para poder se conectar com o ponteiro no mostrador. Mas há também outro layout para segundos centrais, no caso de segundos centrais indiretos: a quarta roda fica deslocada do centro, impulsionando um eixo com um pinhão (sem redução) no centro do movimento. Esse eixo atravessa o eixo da roda de centro e se conecta com o ponteiro dos segundos. Já no caso de indicadores de segundos separados, que se encontra normalmente em movimentos mais antigos, a quarta roda não fica no centro do movimento, conectando-se diretamente com o ponteiro dos segundos (normalmente na posição 6 horas). A quarta roda, por fim, tem a função de propelir o escapamento.





O escapamento



O escapamento, por ser uma parte complexa e muito técnica do relógio, merece um artigo especial, por isso acompanhem as próximas edições. Sua função, como foi dito, é marcar o tempo controlando a velocidade com que a corda é desenrolada. Se não fosse o escapamento, a corda, quando “cheia”, seria liberada em questão de segundos, com muita velocidade. O escapamento funciona bloqueando e liberando o desenrolar da corda algumas vezes por segundo. O escapamento é composto por três itens básicos: a roda de escape, a âncora e o balanço. A roda de escape possui dentes especialmente desenhados para impulsionar a âncora, que, por sua vez, é desenhada para bloquear os dentes da roda de escape e também receber impulso dela. O balanço é o responsável por controlar a velocidade desse ciclo de bloqueio e liberação. Trata-se de um aro com uma mola bem fina fixado nele. Essa mola é chamada de espiral (também mola-cabelo ou simplesmente cabelo). O balanço é a extremidade do caminho das forças no relógio. A força vinda da corda passa pela roda de centro, terceira roda, quarta roda, roda de escape e âncora, até chegar no balanço e impulsioná-lo. Depois de recebido o impulso, ele gira numa direção até que a força de sua mola o obrigue a voltar e a girar no sentido contrário, desbloqueando a âncora e recebendo outro impulso, até que a mola resista e ele comece a girar no outro sentido de novo. E esse ciclo de vaivém do balanço permanece até que não haja mais energia na corda para impulsioná-lo. Neste ponto, o relógio pára e requer que se dê corda nele novamente, para que volte a funcionar. Durante esse vaivém ocorrem os ciclos de bloqueio e liberação da âncora, controlando a velocidade de giro de toda a rodagem, e a velocidade de liberação da corda, para que marque o tempo corretamente.


Caminho da força no relógio mecânico (em vermelho),
do tambor até o balanço, passando por todo o trem
de rodagem




Todos esses elementos se conectam com extrema precisão, com a única finalidade de marcar o tempo e mostrá-lo através dos ponteiros e do mostrador. Acompanhem as próximas edições para conhecer alguns elementos do relógio mecânico em detalhes.

História do relógio

Os primeiros relógios usados pelas pessoas foram os relógios de bolso. Eram muito raros e tidos como verdadeiras jóias, pois poucos tinham um. Os relógios de bolso eram símbolo da alta aristocracia.





Comenta-se que foi Santos Dumont quem inventou os relógios de pulso. Durante um vôo, estando com as mãos ocupadas, ele tinha dificuldade de tirar seu relógio do bolso.



O relógio de pulso na verdade foi inventado pela empresa Patek Philippe no fim do século XIX, embora seja costume atribuir, erroneamente, a Santos Dumont os louros da invenção desta modalidade de relógio. A Princesa Isabel, então exilada na França, deu a ele uma medalha de São João Batista. Preocupado que o uso da medalha no pescoço pudesse machucá-lo, colocou-a no pulso. Então teve a idéia de amarrar um relógio no pulso para controlar melhor seus tempos de vôo. Santos Dumont encomendou então a seu amigo joalheiro, Louis Cartier, um relógio que ficasse preso ao pulso, para que ele pudesse cronometrar melhor suas experiências aéreas.



Em março de 1904, Cartier apresentou a ele o que é considerado erroneamente o primeiro relógio de pulso do mundo, batizado de Santos, com pulseira de couro. Entretanto, relógios de pulso já eram conhecidos e usados anteriormente. O que acontecia é que eram adereços essencialmente femininos e eram geralmente feitos sob encomenda. Na verdade, a Santos Dumont coube a popularização do relógio de pulso entre os homens. A Primeira Guerra Mundial foi o marco definitivo no uso do relógio de pulso, já que os soldados precisavam de um jeito prático de saber as horas.